sábado, 21 de março de 2009

O HOMEM QUE PERDEU O SONO

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As coisas começaram de maneira muito comum. Primeiro com estranhas interrupções do sono a meio da noite, que ele achou absolutamente natural. Toda a gente acorda ao meio da noite sem qualquer razão. Mais tarde, esse acordar tornou-se mais frequente e numa impossibilidade de conciliar o sono.
André - nome do nosso personagem - decidiu sentar-se no sofá da sala em vez de rebolar na cama sem conseguir o descanso.
Começou por falar com o seu cão que dormia no cesto a seu lado. Depois com as plantas que tinha na sala.
Tornou-se algo telepático com as coisas vivas de casa e descobriu que elas não dormiam durante a noite. Foi uma descoberta extraordinária. Afinal havia um outro mundo de onde ele era retirado emquanto dormia.
Ouviu o vazio silente do negrume nocturno. Costumava ficar sentado sem ligar as luzes só para ouvir os ruídos do silêncio. Era uma procura incessante da actividade humana, como se fôra um elo de ligação com a realidade comum. Mas tudo era um vácuo povoado de pensamentos. Como se os pensamentos peregrinos de toda a gente que dormia e sonhava passasse por ali.
Muitas vezes tinha que recusá-los e voltar a falar com a sua planta preferida, enquanto o seu cão sonolento e abismado fingia dormir com os olhos semi-cerrados.
Uma semana depois decidiu pura e simplesmente nem se deitar. Porque o haveria de fazer se acordava quase em seguida.
Foi então que os seus sonhos que haveriam de pertencer ao seu sono começaram a invadir a sua vigília.
André não sabia o que fazer com aquela fantástica realidade que se introduzia na banalidade dos seus raciocínios comuns: que vou almoçar amanhã? vou beber café ao Bar X? e em seguida uma procissão de ideias que transformavam o comum Bar X num imenso pavilhão de Centro Comercial onde se passavam coisas alucinantes, encontros inusitados e coisas improváveis.
Foi aí que descobriu que os sonhos estavam invadindo a sua realidade.
André sempre tinha sido um homem de senso-comum, racional e prático, e esta intrusão da irrealidade no seu mundo foi algo assustador. Mas, praticamente, pensou apenas que era a ausência de sono que misturava o subconsciente com o seu consciente, e quando conciliasse o sono de novo tudo voltaria a ser normal.
Mas havia algo de eufórico naquelas permanentes vigilias que o deixavam cada vez mais curioso. Nem sempre temos oportunidade de analisar nossos sonhos enquanto estamos acordados!
Apaixonado pela inusitada aventura, começou a falar com os personagens impossíveis dos seus sonhos.
Começou por dar nomes aos locais desconhecidos que visitava, e em seguida deu nomes a pessoas que nunca vira mas que conviviam com ele naquele estranho mundo onde tudo era fugaz.
Bastava levantar-se do sofá para ir à casa de banho e todas as coisas desapareciam e voltavam ao universo comum.
Noutra altura decidiu fazer uma discussão sobre um tema comum com uma personagem que ele ainda não conhecia e que lhe apareceu na imaginação. Ficou estupefacto, porque o personagem que ele ainda não tinha denominado o chamava de André e sabia de antemão as suas opiniões sobre o tema.
Deduziu que era bastante mais interessante viver com a noite, as plantas da sala, o seu cão vigilante e os personagens dos seus sonhos que faziam intrusão na sua realidade, que com a vida comum e normal do dia-a-dia.
Fui visitá-lo há dias ao Hospital Júlio de Matos. Ele disse que eu pertencia ao sonho número 8755.
João do O'Pacheco