sexta-feira, 29 de agosto de 2008

O Gnosticismo


Em 1209 EC (Época Corrente = Depois de Cristo), toda uma população de Albigenses (da cidade 'Albi' que foi um dos centros dos Cátaros (=os puros = do Grego 'catarsis' = purificação) foi literalmente extreminada naquilo que foi chamado do "Massacre de Montsegur". Esta população do Sul de França - a mais técnica, social e economicamente desenvolvida de todo o Continente Europeu, na época - era composta, na sua maioria, por Gnósticos e Cristãos Arianos, e também um 'santuário' para os Judeus perseguidos por toda a Europa. Todos estes grupos tinham um elevado grau de literacía e podiam ler a Bíblia - coisa que era proíbida pelo Vaticano. Inocente III, o Papa na altura, estava determinado a pôr um ponto final na "heresia Gnóstica" que não seguia as tradições católicas, embora acreditassem na deidade de Cristo tinham fortes influências platónicas, acreditavam na reincarnação e, considerando a matéria impura pelo pecado, repudiavam imagens esculpidas e pintadas por mãos humanas. O certo é que as suas doutrinas se espalharam por toda a Europa e o Papa, vendo o seu negócio ir por água abaixo, excomungou todos os que faziam parte ou apoiassem a "heresia cátara" - o que resultou pouco ou coisa nenhuma. A indiferença que lhe foi dedicada desatinou o Papa Inocente - cujo ego era maior que o do seu cruel Deus e cuja fortuna e poder suplantava o de Reis -, que resolveu fazer uma Cruzada, comandada pelo lendário Simon de Montfort, e um exército de mais de 30 mil homens. A matança ficou nos anais da História pela impiedade com que foi conduzida e a resposta ao soldado em frente à cidade de Breziers: "Como devo reconhecer os bons dos maus?"... o representante da Igreja ripostou "Matem-nos a todos. Deus reconhecerá os seus!", acabou por ficar na História universal da infâmia. Foram chacinadas nesse só dia 20 mil homens, mulheres e crianças. Não satisfeito, Inocente III, criou logo em seguida a Inquisição para tratar dos que haviam sobrado nos próximos 500 anos. As estatísticas falam de mais de 50 milhões sob o epíteto de 'heréticos'.
Isto é um facto histórico. Mas, o que se passa com os Gnósticos, Arianos e Judeus que produz tanto ódio e fúria na Catolicismo oficial?
O Gnosticismo é muitas vezes referido como um 'culto' de 'conhecimentos secretos' ou, para citar, "Estes evangelhos enfatizam conhecimentos que os iniciados têm e os outros não." Esta definição Católica é uma tentativa de se separar das suas origens. Muitos grupos Gnósticos partilham com os Cristãos a rejeição das Leis de Moisés e a salvação através de trabalhos; o credo de que outros seres criaram o mundo material; partilham o credo do divino mediador entre Deus e o homem; e finalmente o credo de que nada do que é "mundano" tem alguma importância. Só a fé em, ou conhecimento de, este divino mediador (1 Tim 2:5) conduzirá à salvação e à vida eterna.

O Gnosticismo encara o mundo como uma série de emanações d'"O" mais alto. A emanação mais baixa foi um deus mau (o demiurgo) que criou o mundo material como prisão para a centelha divina que habita no corpo dos homens. Os Gnósticos identificam este mau criador com o Deus do Antigo Testamento, e vêm Adão/Eva e o ministério de Jesus, como tentativas de libertar a humanidade deste domínio, pela partilha dos segredos da sabedoria divina.
Os Gnósticos, tal como os Cristãos, têm uma leitura alegórica do Antigo Testamento.
O Gnosticismo está carregado de Budismo e de outros temas religiosos orientais, e vai beber sequiosamente no Platonismo.

O Gnosticismo não é uma religião definida e, na maior parte dos casos, é um campo de despejo das "heresías", como são definidas pela Igreja Católica oficial. Tem sido um processo de negação que vem desde o tempo de Constantino e de Niceia em 325 EC.
O Cristianismo é mais Gnosticismo do que Judaísmo, e uma maneira de combinar as duas, opondo sistemas de teologia e pensamento. O Cristianismo não é monoteísmo mas panenteísmo(*).
O Cristianismo e o que foi chamado Gnosticismo (termo moderno), ambos evoluíram de raízes comuns, num vasto sincretismo Helenístico (Grego), seguindo o Grande Império de Alexandre.

(*)Panteísmo e panenteísmo - Há duas filosofias básicas sobre Deus, sendo uma oriental e outra ocidental. A oriental vê Deus mais imanente em nós e em todos os demais seres. Já a Ocidental tem Deus como sendo um ser transcendental e distante de nós, lá nas alturas. O filósofo alemão Kreuse criou a palavra 'panenteísmo' = deus presente em tudo (aceite pelo jesuíta filósofo Teillard de Chardin)
Panteísmo do Grego Pan = tudo; Teos = Deus (deus imanente em todos os seres)


Este Império estendeu-se desde a Grécia até à India, e levou a um 'sincretismo' (=fusão de elementos culturais diferentes) de muitas filosofias e religiões. Promoveu um fio conductor para que a religião Oriental se movesse em direcção ao Ocidente, e a filosofia Grega se movesse em direcção ao Oriente. O nascimento do Gnosticismo ocorreu nesse período, muitas vezes ignorado, entre o declínio da Grécia e a ascensão de Roma, até o ano 300 EC (cerca de 600 anos). Faz parte de um hiato de 300 anos na Biblia Protestante, entre Malaquias e Mateus. Os Apocrifa dão-nos apenas escassos indícios do que realmente aconteceu durante esse período.

O Gnosticismo difere do Cristianismo 'oficial' em dois aspectos principais: 1) Os Gnósticos acreditam que o mundo material foi criado mau e corrupto, e 2) Jesus era um espírito, e não carne.
Jesus nasceu do Espirito Santo em ambos: Gnosticismo e Cristianismo, mas no Gnosticismo o Espirito Santo é o "feminino" ou o aspecto fémea de Deus. Assim, o Espirito Santo foi a verdadeira "mãe" de Jesus.

(É muito duvidoso que Jesus tivesse tido alguma aprendizagem panteísta. Na melhor das probabilidades ele aceitou o milenarismo Judeu prevalente dos seus dias. Deus vivia nos céus afastado do mundo, ainda que pudesse actuar no mundo quando desejasse. Um dia Ele destruiria a terra actual e substituí-la-ia por uma terra transformada na qual a nação Judía seria ressuscitada e restaurada.
O panteísmo Cristão deriva de duas raízes evangélicas: São Paulo, no seu famoso depoimento aos Atenienses: "Porque n'Ele vivemos, e movemos, e temos o nossos ser.", embora esta declaração pareça uma citação de um poeta grego, Aratus, provavelmente influenciado pelo estóico Cleanthes, que era panteísta. E nos Actos (ii.1-3) na ideia do Espirito Santo que enche os Apóstolos e lhes dá poder para falar linguas.)

A diferença que separa o Cristianismo e o Gnosticismo do Judaísmo está em 'quem' ou 'o quê' criou o Universo.
Ambos rejeitam a ideia de Deus (o Deus Judeu) ter criado o Universo e afirmam que outros seres o fizeram. Na verdade, os Gnósticos (incluindo João e Paulo) acreditavam que a Lei fôra dada por seres inferiores, vendo o Deus Hebreu como um anjo caído ou, pior, o próprio Diabo. A Cristandade afirma que Jesus criou o Universo antes de se tornar carne. Os Gnósticos divergem afirmando que Jesus era um espírito.

Genesis 1:1, "No princípio, criou Deus os céus e a terra." E Malaquias 2:10, 'Não temos nós todos um Pai? não nos criou um Deus?" (Não há menção a outros seres, etc.) Mas temos João 1:1,
"No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no principio com Deus. Todas as coisas foram feitas por ele, e, sem ele, nada do que foi feito se fez."

Será engano? que é um credo Gnostico/Platonista "onde outros, etc.," que fazem parte de Deus criaram o universo?
Isto é um sincretismo entre (cristã) Cristologia e (secular) Platonismo... Platonismo era uma compreensão básica da operação do cosmos que via o mundo materialista de maneira dualista; separado de um Deus transcendente, mas comunicado pelo Logos (pensamento, sabedoria, creatividade). Em termos simples: o pensamento Platonista do mundo espiritual como bom, e mundo físico como mau.

É actualmente largamente aceite entre académicos Judeus que o Farisianismo, Saduceismo e os cultos pre-Gnósticos, que apareceram no século segundo antes da EC, eram o resultado de um sincretismo de filosofia Grega (em particular o Platonismo) e os vários credos Judeus.
Da mesma maneira, é largamente aceite que mesmo que o Gnosticismo totalmente desenvolvido não tivesse aparecido senão no segundo século da nossa era, o pré-Gnosticismo estava presente no segundo século antes da EC. Este sincretismo é facilmente observável no paralelismo dos escritos Rabínicos, o Velho Testamento Apocrifa, Philo, e os escritos dos filósofos Greco-Romanos.

Há muita disputa sobre as origens do Gnosticismo entre os académicos. Alguns pensam que a sua origem é fundamentalmente pagã, mas que adoptou o cristianismo; outros traçam a sua origem no Judaismo mas, parece claro, pelo menos nas suas formulações teológicas que foi muito influenciado pelo Platonismo.