sábado, 5 de julho de 2008

A 'ATENÇÃO ACTIVA' DE GEORGE IVANOVITCH GURDJIEFF

"Um homem renunciará a todos os prazeres que quiserem mas nunca abdicará do seu sofrimento."
G.I. Gurdjieff


Não tanto me irei referir às obras de Gurdjieff, cuja complexidade dos textos filosóficos poderia entediar muitos, mas antes contar as extraordinárias aventuras desta figura invulgar que correu mundo em busca de um Conhecimento que ainda hoje é mal compreendido por todos, inclusive aqueles que foram seus discípulos e que, mais tarde, o homenagearam como seu Mestre e seu Mentor.
E não estou a falar de pessoas comuns mas sim de grandes pensadores, artistas e escritores como Thomas de Hartmann (Notre vie avec Gurdjieff), Michel Waldberg (Gurdjieff), Elisabeth Antebi (Avé Lúcifer), P.D. Ouspensky (Fragmentos de Um Ensinamento Desconhecido) e Louis Pauwels (Monsieur Gurdjieff) que se referia a ele como "o homem que não dorme."
Toda a vida deste inquietante personagem está envolta em brumas de incertezas, de segredos, de viagens iniciáticas, de práticas obscuras, ausências durante meses, por vezes anos, e o reaparecimento inesperado em locais improváveis, umas vezes em Moscovo, outras em Nova Yorque ou Paris.
Terá nascido em Alexandropol, na Arménia, no inicio de 1877. Seu pai era um Grego ashokh, um contista-poeta, abastado proprietário de rebanhos que uma epidemia de peste levou à ruína. A família deixa Alexandropol para se estabelecer em Kars onde Gurdjieff, ainda criança, entra para o colégio da cidade e se torna cantor no Coro da Igreja. O velho e adoentado padre Borsh, que é a autoridade espiritual da região, toma a seu cargo a educação do jovem que baseia em dez principios:
- a espera de um castigo por qualquer desobediência;
- a esperança de merecer recompensa apenas se for merecida;
- o amor de Deus mas a indiferença pelos santos;
- os remorsos de consciência pelos maus trtos infligidos aos animais;
- o receio de causar desgosto aos pais e aos educadores;
- a impassibilidade em relação aos diabos, às serpentes e aos ratos;
- a alegria de se contentar com o que se tem;
- o desgosto de ter perdido a boa vontade dos outros;
- a paciência para suportar a dor e a fome;
- o desejo de ganhar honestamente o pão.
Como o jovem é bem dotado o pai destina-o ao sacerdócio mas o padre Borsh decide que será médico porque "não se pode ser um bom padre sem ao mesmo tempo ser médico, porque o corpo e a alma estão ligados".
A principal caracteristica do método educativo do padre, nos diferentes oficios sob a sua orientação pessoal era de que cada vez que o jovem se familiarizava com um oficio, ou começava a gostar dele, logo o padre o obrigava a trocá-lo por outro. O objectivo não era fazer o jovem aprender todos os géneros de oficios mas desenvolver-lhe a capacidade de dominar as dificuldades apresentadas por qualquer trabalho novo. E na verdade Gurdjieff afirmaria mais tarde "desde esse tempo, qualquer trabalho tomou para mim um sentido e um interesse que não residiam nele mas unicamente na medida em que não o conhecia e não sabia executá-lo."
Mas o padre Borsh está velho e passa a sua educação ao novo substituto Bogatchevsky. O novo padre entretém um grupo de amizade e discussão sobre filosofia, espiritismo e experimentação com mesas giratórias. Gurdjieff numa das sessões fica profundamente impressionado e afirma: "tive a impressão que um novo domínio desconhecido se abria na minha frente". No mesmo ano em que assistiu à sessão de espiritismo, visita pela Páscoa os seus tios. Sua tia confidencia-lhe ter consultado um oráculo que predissera que o sobrinho teria uma ferida na ilharga e seria vitima de um acidente com uma arma de fogo. O rapaz que se acabara de curar de um furúnculo na ilharga direita fica muito impressionado e, mais ainda, quando na semana seguinte durante uma caçada é ferido com gravidade. A predição realizara-se!
A sequência de fenómenos sobrenaturais que entram de rompão pela sua vida deixam-no muito perturbado. Por um lado há uma fascinação que exercem sobre o seu espirito; por outro, há o seu racionalismo dos conhecimentos adquiridos no estudo das ciências exactas.
Nesse mesmo Verão Gurdjieff é testemunha de uma cena desconcertante: uma criança yesida (membro de uma seita que se diz votada ao Diabo), chora e debate-se para sair de um circulo que os companheiros traçaram á sua volta, no chão. Segundo a tradição yesida é preciso apagar uma parte do circulo para libertar o prisioneiro pois um yesida não pode pela sua vontade quebrar o circulo onde está fechado. Desejoso de verificar o fenómeno Gurdjieff apaga uma porção de circulo e a criança pára de se debater e sai da estranha prisão.
A confiança então que tivera no ensino dos seus mestres, que não lhe dão respostas satisfatórias às questões que o preocupam, enfraquece, e quando o padre Borsh, gravemente doente se retira, e seus pais decidem voltar a Alexandropol, o jovem toma as rédeas do seu destino e durante cerca de vinte anos errará pelo mundo inteiro acompanhado por amigos com os quais funda o grupo dos "Buscadores da Verdade".
É assim que vai para Etchmiadzine onde trava conhecimento com um estudante de Teologia chamado Pogossian, que se junta a ele, e decidem visitar as ruínas de Ami, antiga capital da Arménia. A pesquisa aos subterrâneos da antiga cidade dá-lhes a conhecer um conjunto de velhos pergaminhos que tentam decifrar e que lhes revela a existência de uma célebre escola esotérica, Sarmung, à qual se atribui a posse da chave de inúmeros mistérios ocultos. E ei-los a caminho de Mossul, na Alta Mesopotâmia, onde a escola se situa. Porém, na sua viagem atribulada para a Síria o jovem Pogossian é mordido por uma serpente venenosa e são obrigados a refugiar-se em casa de um padre arménio. Enquanto espera a convalescença do seu amigo Gurdjieff vai ouvindo as estórias do padre que afirma possuir um antigo pergaminho que um príncipe russo um dia quis comprar e, perante a sua recusa, lhe ofereceu duzentas libras para o copiar. Intrigado, Gurdjieff pede para ver o tal pergaminho e: "não consegui decifrá-lo imediatamente, mas ao olhá-lo de mais perto... Meu Deus, que emoção! Nunca esquecerei esse minuto! O que tinha diante dos olhos era precisamente o que tanto havia ocupado o meu espirito e que há meses não me deixava dormir! Era o mapa daquilo a que chamam "o Egipto de antes das areias". E é para o Egipto, já sem o seu companheiro cansado de peregrinações, que Gurdjieff se dirige.
No Cairo trava conhecimento com o professor de arqueologia Skridlov que lhe apresenta um seu amigo Lubovedski que fica muito perturbado ao ver o pergaminho de Gurdjieff. Lubovedski não era outro senão o príncipe russo que pagara a ouro a cópia do documento ao padre arménio. Decidem então os três organizar uma expedição à Índia e ao Tibete assim como a diversos pontos da Ásia Menor.
Numa das suas andanças através da Pérsia os viajantes ouvem falar de um dervixe reputado pelos seus prodígios. "Vimos", conta Gurdjieff, "um homem, quase um velho, coberto de andrajos, descalço, sentado no chão com as pernas cruzadas. Era a hora de jantar. Um discípulo trouxe a refeição: arroz numa tigela". O dervixe não deixou de olhar Gurdjieff durante a refeição e tomou subitamente a palavra: "--- Mastigando a comida com tanto cuidado, o senhor reduz o trabalho do seu estômago; habitua-se à perguiça. É o contrário do que deve fazer. Não só não deve mastigar cuidadosamente a comida, mas até mesmo, na sua idade, mais vale não a mastigar de todo, para fazer trabalhar o estômago."
Gurdjieff interroga então o velho sobre a utilidade das suas aprendizagens com os iogas hindus acerca da respiração.
"Todos os exercícios de respiração que são indicados nos livros ou ensinados nas escolas esotéricas contemporâneas só podem fazer mal, explica o velho. (...) Existe, entre os ritmos de funcionamento dos diferentes orgãos uma relação bem definida. Para manter esse equilíbrio é necessário um conhecimento total do organismo. Um orgão depende do outro, está tudo ligado. É mudar tudo ou nada mudar."
Gurdjieff decide passar uma semana a aprender tudo o que podia com o seu novo mestre e, em seguida, o grupo parte para o Iraque onde se separa, cada um dos membros com um diferente destino. Gurdjieff depois de Meca e Medina, as duas cidades santas do Islão, decide ir a Bucara onde ele supõe ir encontrar as próprias origens do Islão. Segundo ele "foi ali que se concentraram desde o início, todos os elementos da doutrina secreta desta religião." Mas, não irá até ao fim da sua jornada. No caminho encontra um curioso mosteiro, refúgio dos adeptos da "Confraria Universal". Durante seis meses o padre Giovanni introdu-lo no seio da confraria e na busca e conhecimento do Deus único, criador de todos os povos e todas as raças: o Deus Verdade. O padre Giovanni, antigo missionário, parece agora apenas aspirar á calma da meditação: "Querer inocular a fé com palavras, explica ele, é como se quiséssemos, apenas com o olhar, saciar a fome de alguém. Não se dá fé aos homens. A fé que nasce no homem e nele se desenvolve activamente não é resultado de um conhecimento automático, mas da compreensão. O saber e a compreensão são coisas diferentes. É preciso que nos esforcemos por compreender; só isso pode levar a Deus."
Gurdjieff volta então à Rússia para partir quase em seguida com o professor Skridlov e Vivitskaia ao encontro do príncipe Lubovedski que se encontra no Pamir, a caminho da Índia.
Mas, como de costume, perdidos do seu caminho, encontram um velho pobremente vestido que conhece bem a região e aceitam em segui-lo. O estranho homem, que afirma ter já domesticado ursos selvagens, uma noite revela aos companheiros que é um ez-ezunavuran, ou seja, um faquir, e que tem o poder de curar doenças.
Para demonstrar os seus dons, o velho examina Vivitskaia que há um mês sofre de uma afecção na garganta que se assemelha a um bócio. Com gestos e frases misteriosas o faquir massaja a zona doente à jovem e ante o olhar perplexo de Gurdjieff e dos amigos, o inchaço desaparece completamente. O velho cura ainda Skridlov que há mais de dez anos sofre de dores nos rins e Yelov que tem uma inflamação crónica nos olhos. Os viajantes suplicam ao velho que os inicie na sua sabedoria e Gurdjieff faz esta sua nova experiência que contará mais tarde em: "O Corpo Astral do Homem, as Suas Necessidades e as Suas Possibilidades de Manifestação em Conformidade com as Leis".
Esta busca desordenada de sabedoria acalma-se e Gurdjieff instala-se em Moscovo onde organiza colóquios e conferências que atraem numerosos intelectuais e homens de ciência entre os quais Ouspensky, que regressa de uma longa viagem pelas Índias e por Ceilão. O escritor, fascinado pela personalidade de Gurdjieff, torna-se seu discípulo e seu biógrafo.
Com a Revolução de Outubro de 1917, Gurdjieff refugia-se no Cáucaso, com uma centena de discípulos, a cria o "Instituto para o Desenvolvimento Harmónico do Homem". Mas a revolução chega ao sul do Cáucaso e Gurdjieff deixa a Rússia. Durante um ano, em Constantinopla, juntamente com trinta restantes discípulos, cria um novo Instituto á custa de conferências e cursos consagrados às ciências humanas.
Parte depois para Berlin onde alguns ingleses interessados pelas suas ideias se oferecem para financiar a instalação do seu Instituto em Londres. Gurdjieff recusa e instala-se em França em Junho de 1922 e através de fontes de rendimento provenientes de tratamentos psicológicos, casos difíceis de alcoolismo e toxicodependência, obtém lucros consideráveis.
Em 1924, embarca para a América com quarenta dos seus alunos e organiza duas séries de representações de danças sagradas em Nova Iorque, além de várias conferências destinadas a dar a conhecer ao público as ideias de base do instituto e a sua aplicação a diferentes domínios, tais como a psicologia, a medicina, a arqueologia, a arquitectura, a arte e mesmo aos diversos tipos de fenómenos sobrenaturais.
O objectivo das representações era o de fazer penetrar no processo da vida quotidiana dos homens a significação destas ideias, e pôr em relevo os resultados práticos aos quais elas podiam conduzir. Assim, a 8 de Abril de 1924, Gurdjieff abre em Nova Iorque uma filial do Instituto para o Desenvolvimento Harmónico do Homem.
Ao regressar a França, Gurdjieff sofre um acidente de automóvel que o deixa gravemente ferido. Condenado a um longo repouso, consagra-se em pôr as suas ideias em dia.
Gurdjieff escreveu três livros cujo título genérico é: Do Todo e de Tudo.
O primeiro, intitulado Narrativas de Belzebu ao Seu Neto, tem por objectivo "extirpar as crenças e opiniões enraizadas no psiquismo dos homens a propósito de tudo o que existe no mundo". No segundo, Encontros com Homens Notáveis, quer tornar conhecido o material necessário para uma reedificação e provar a sua qualidade e solidez. Quanto ao terceiro, A Vida só é Real quando «Eu Sou», é destinado a favorecer no pensamento e no sentimento a eclosão de uma representação justa, não fantasista, do mundo real.
Para Gurdjieff o homem é apenas uma máquina. A civilização, desenvolvendo certas faculdades no homem, destruiu completamente outras. O homem comum tem três centros de faculdades: o centro intelectual, o centro emocional e o centro físico ou instintivo. Em cada um de nós um destes três centros predomina, e por isso nós somos incompletos. Não é raro, por exemplo, ver um grande sábio, no qual a faculdade intelectual é mais desenvolvida, portar-se como uma criatura caprichosa e distraída.
O homem, portanto, é apenas uma máquina que reaje maquinalmente a acontecimentos exteriores. Não sou eu que penso, mas qualquer coisa que está fora de mim; não sou eu que ajo, mas circunstências exteriores que exigem de mim uma acção apropriada.
Então quem sou eu? Tal é o ensino fundamental de Gurdjieff: encontrar-se, conhecer-se a si próprio. O homem deve ser dono de si mesmo e não se deixar conduzir pelas facilidades do mundo moderno que lhe dita as suas reacções.
--- Alguma vez encontrou um homem?... pergunta frequente de Gurdjieff aos seus discípulos.

(Fontes bibliográficas: P.D. Ouspensky, Philippe Aziz, Louis Pauwels, Instituto Gurdjieff)